GAZETA DO POVO
A gravação telefônica feita pelo prefeito de Curitiba, Luciano Ducci (PSB), na qual ele fala sobre asfaltamento de ruas em dois bairros da capital, é considerada ilegal por especialistas em direito político e eleitoral ouvidos pela Gazeta do Povo.
Na mensagem, Ducci simula uma conversa ao vivo pelo telefone. O problema é que isso infringe a norma de impessoalidade do poder público, prevista no artigo 37 da Constituição Federal.
O conteúdo do telefonema, recebido pela Gazeta do Povo no último sábado, também pode configurar propaganda eleitoral antecipada, já que Ducci é pré-candidato à reeleição no ano que vem.
A prefeitura de Curitiba confirmou ontem que está utilizando o serviço de telemarketing. Para advogados da área, isso pode configurar ato de improbidade administrativa.
“Isso não pode ser feito, em hipótese nenhuma, com dinheiro da prefeitura. Viola o princípio da impessoalidade. O prefeito não pode divulgar obras no município como fossem suas valendo-se de dinheiro público”, observa Arthur Rollo, advogado especialista em direito eleitoral que atua em São Paulo.
Para ele, cabem sanções como multa e devolução do dinheiro utilizado no serviço, entre outras coisas.
“Certamente o Ministério Público, que deve zelar pelo correto uso do dinheiro público, deve tomar alguma providência”, acrescenta o advogado Silvio Salata, presidente da Comissão de Estudos Eleitorais e Valorização do Voto da OAB de São Paulo.
O telefonema tem início com o seguinte diálogo: “Oi, tudo bem? Aqui é o prefeito Luciano Ducci. Tudo bem com você?” Para Salata, a infração ao princípio da impessoalidade é clara.
“Até poderia ser tolerado uma menção dizendo-se prefeito da cidade, mas sem falar o nome. No âmbito da administração pública, não se pode pretender nenhum tipo de promoção pessoal”, observou.
Arthur Rollo, entretanto, pondera que a voz do prefeito já é uma característica pessoal, e por isso ele não poderia ter gravado a mensagem.
Campanha
O advogado Rodrigo Meyer Bornholdt, de Joinville (SC), diz que a Justiça brasileira tem se mostrado rigorosa contra esse tipo de situação.
“Pela atual jurisprudência, a tendência é que mensagens assim sejam consideradas campanha eleitoral antecipada.” Pela legislação eleitoral, a propaganda só pode começar três meses antes do pleito.
“A prefeitura pode alegar que está fazendo prestação de contas, mas isso teria que ser de forma impessoal. O telemarketing, como o próprio nome diz, é para fazer propaganda, e exige um aporte considerável de dinheiro”, explica.
Bornholdt diz que, pessoalmente, defende que os pré-candidatos tenham mais liberdade para conversar com eleitores. “Mas, na medida em que isso causa desvantagem aos concorrentes e configura uma espécie de abuso do poder econômico, não pode ser feito.”
Ligação não pode ser bloqueada por partir de SP
A origem da ligação com a gravação do prefeito Luciano Ducci é o estado de São Paulo. O telefonema parte de um número com DDD 11, o qual não recebe chamadas.
O fato de a ligação ser de fora acaba tornando a ligação mais difícil de ser evitada pelos cidadãos.
O Paraná tem uma lei estadual que permite aos cidadãos barrarem telefonemas de telemarketing.
Basta fazer um registro e as empresas ficam proibidas de insistir nas ligações.
Entretanto, o sistema coordenado pelo Procon paranaense só permite o bloqueio para números de telefone provenientes do próprio estado, com os DDDs que vão de 41 a 47.
Assim, não é possível se cadastrar no sistema para bloquear o telefonema do prefeito.